O JÚBILO DE QUEM AMA
05 de Março de 2009

O jovem Strauss foi, por essa altura, enviado para uma escola comercial, mas agitou e perturbou a tal ponto a vida nesta instituição que acabou por ser expulso. A partir de então, a família Strauss dividiu-se em dois campos. O azedo pai abandonou o lar e foi viver com uma frívola modista de chapéus chamada Emille.

 

Apesar de todos os seus êxitos, o perdulário Strauss não podia sustentar as duas casas e os encargos do lar legítimo recairam sobre os ombros do filho mais velho. Melhor conhecedor de música e com um caráter mais disciplinado do que o do pai, o jovem Johann aos 19 anos estava preparado para  estrear como diretor de orquestra. Convidaram-no a exibir-se num salão de espetáculos tão elegante como o de seu pai. Os jornais aproveitando a discórdia existente entre ambos, deram ao estreante uma extraordinária publicidade. O pai, desgostoso e irado, proclamou, publicamente, que desejava morrer antes da estréia do filho.

Pálido, resoluto e calmo, com os olhos a cintilar, o jovem iniciou o seu programa com quatro valsas compostas por ele próprio. Os assobios dos perturbadores foram afogados por um vasto mar de aplauso. Depois interpretou uma polca e uma quadrilha e continuou com outras melodias de sua autoria. Ao concluir o concerto até os seus inimigos o aplaudiram e vitoriaram. Dezenove vezes teve de voltar ao palco o moço compositor - um número superior ao que seu pai jamais obtivera.

 

Por fim, inesperadamente, o jovem Johann fez um sinal aos seus músicos; a sala caiu em silêncio. Do palco começaram, então, a brotar os acordes de uma obra que não estava no programa: a mais popular de todas as valsas do velho Strauss, "LORELEI - RHEIN - KLÄGE". Quando a última nota morreu, suavemente, todos os ouvintes se puseram de pé e aplaudiram freneticamente, e uma onda de admiradores invadiu o tablado pra erguer em triunfo o generoso jovem.

 

Naquela radiante atmosfera de orgulho e emoção. pai e filho reconciliaram-se. Mas, em 1849, no dia de um grande banquete em que o velho Strauss devia dirigir uma orquestra, este adoeceu com escarlatina. A família não recebeu notícias dele até que o soube morto, ou melhor, até que a sua mulher e o filho descobriram o cadáver em casa da amante. Esta fugira com tudo - incluindo as roupas de cama.

 

A tragédia produziu no jovem Strauss não só desgosto, mas também um imenso horror; toda a sua vida tivera um medo invencível dos mortos. Quando vários anos depois, perdeu a mãe, fugiu de Viena e não voltou senão depois do enterro. Os negros pensamentos que o torturavam eram que como o reverso das suas brilhantes e alegres melodias. Em algumas das suas valsas pode perceber-se, sob o júbilo do ritmo, a melancolia que o artista se esforçava por vencer e esquecer. Nesta duplicidade psicológica, Strauss revela-se bem um típico vienense da sua época.

 

Com a morte de Johann, pai, as duas facções de admiradores dos Strauss uniram-se para aclamar o novo rei da valsa. A música deste chegou a converter-se num grande negócio, que exigia não só a colaboração dos seus dois irmãos, Joseph e Eduard, mas mesmo de todo o pessoal de orquestração e de várias orquestras de música de dança. Em breve, Johann estava aprisionado por uma rede de contratos. Tinha de se deslocar sem descanso dentro da própria cidade, dirigindo uma orquestra durante uns tantos números e deixando-a entregue a um dos seus irmãos, para logo ir dirigir outra. Tornou-se algo de muito raro naqueles tempos: um músico rico, e teve de correr todos os perigos do êxito.

Destes foi salvo por um casamento feliz. Henrietta Treffz (Jetty), dez anos mais velha que Johann, era mulher de nobre coração, ânimo inquebrantável e profundos conhecimentos musicais e... comerciais, Fora cantora da Ópera de Dresden. Coube-lhe por termo à febril dissipação de energias de Johann e dar-lhe, com a calma e felicidade da vida matrimonial, a força criadora com que ele compôs aquelas maravilhosas valsas que, ainda hoje, apesar de repetidas milhões de vezes, continua a nos enebriar.

 

No verão de 1872, para o Jubileu da Paz Mundial que se realizava em Boston, ofereceram a Strauss um cachet irresistível, para dirigir uma orquestra. Quando chegou descobriu que os concertos tinham sido organizados segundo o princípio de "quanto maior, melhor". Numa vasta sala com péssimas condições acústicas, ele devia dirigir de uma alta plataforma, graças a cem maestros auxiliares, regendo cada um à sua própria orquestra (num total de 1087 instrumentos) ou parte do coro de vinte mil vozes. Um tiro de canhão foi o sinal para o coro entoar O DANÚBIO AZUL. Embora horrorizado obteve tal êxito que, para satisfazer os admiradores que lhe pediam um anel do seu cabelo preto, teve que dispor de uma algibeira cheia de caracóis do seu felpudo cão da Terra Nova. Mas nunca mais voltou à América.

De volta ao mundo alegre e opulento da Europa do século XIX, Strauss encontrou as mais favoráveis condições de trabalho. Chegou, no entanto, às suas mãos uma farça francesa que incendiou a tal ponto a sua imaginação inquieta e impressionável que o levou a enclausurar-se, a esquecer-se inclusive, de se alimentar e a dedicar-se a plasmar em melodias esse tumulto feito de bailes de máscaras, humorísticos equívocos de identidades e estalar de rolhas de champanhe. Trabalhando noite após noite, num mês concluiu a deliciosa, burlesca e fascinante música de O MORCEGO, a jóia mais reluzente de todo aquele brilhantismo período da opereta.

Quando ainda gozava de retumbantes triunfos, Johann Strauss viu interrompida a carreira pela morte repentina e dolorosa da sua mulher Henrietta, em 1878. Levou a mão da amada aos lábios, num último beijo, após o que, possuído pelo seu velho terror da morte, fugiu de novo de Viena, deixando a seu irmão Eduard o encargo de zelar pelo cumprimento das últimas e tristes formalidades.

Decorridas poucas semanas, mau grado o seu desgosto, encontrava-se novamente casado. Angelika Dietrich tinha um rosto lindo, uma voz medíocre e era, como ele veio logo a descobrir, destituída de moral. Muito mais nova do que Johann, converteu a sua juventude num instrumento de tortura para ele. Strauss começou a envelhecer; a sua música perdeu o fulgor de outrora. As suas operetas, uma após outra, por efeito dos horrores que grassavam na sua vida privada, iam melancolicamente fracassando. O mais generoso dos gestos que Angelika fez por Strauss foi o de o abandonar, fugindo com um amante.

 

Ao cinquenta e oito anos, Johann enamorou-se novamente com um amor verdadeiro e compensador. Adele Deutsch, com quem se casou logo que conseguiu divorciar-se de Angelika, era, além de mais bela que Angelika, sensata e dedicada como Jetty. Uma tal companhia restituiu a Johann a sua juventude, a sua alegria e a sua arte. Guiado pela mão firme de Adele, Strauss voltou  a enveredar pelo caminho da fama e compôs, entre outras obras, O BARÃO CIGANO, opereta mais melodiosa ainda e mais variada do que o Morcego. O Barão Cigano, com o seu ambiente húngaro e vibrantes ritmos magiares, fez mais pela unificação da monarquia austro-húngara do que as baionetas e a espionagem de Francisco José, em quase quarenta anos de domínio e repressão.

 

Strauss era agora o rei, não só da valsa mas de todo o território da música ligeira que se estendia por dois continentes. Ora, em Maio do último ano daquele turbulento século XIX, correu em Viena, a notícia de que o seu amado compositor estava doente. A orquestra de Strauss estava a executar um concerto, na noite de 3 de junho, quando um mensageiro abriu caminho até ao palco e entregou ao maestro uma carta. O maestro leu-a interrompeu bruscamente a orquestra e começou, então, outra melodia a que todos se juntaram, com as cordas tristemente em surdina. era o DANÚBIO AZUL. O público escutou de pé.  E R A    P O V O   D E   V I E N A    E   TINHA    COMPREENDIDO.

 

Fonte:    Peattie, Donald Culross  - GRANDES VIDAS, GRANDES OBRAS

  

publicado por cleudf às 21:07 link do post
música: O Danúbio Azul (uma das mais lindas músicas)
sinto-me: Aguardando um grande amor
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