Graças a Deus que, ainda, existem pessoas inseridas na linhagem do bem – os chamados homens célebres – que se destacam no fundo obscuras da humanidade comum. Eles deixam atrás de si uma obra, um feito, que parece tornar luminosamente explicados a razão de ser de sua vida. O homem, o qual nos referimos, veio ao mundo para nos ensinar o valor do homem comum, menos favorecido pela sociedade. Há homens célebres que se destacaram por façanhas guerreiras, e estão nas estátuas, ou nos quadros, nos livros de Histórias, pelas batalhas que ganharam; há outros, mais pacíficos, que ficaram famosos por alguma descoberta ou alguma invenção. ALBERT SCHWEITZER, depois de longos anos de vida ignorada, tornou-se conhecido no mundo inteiro pelos serviços prestados diretamente à parte mais humilde e mais escura daquela tal humanidade obscura e comum. Foi na África, como médico, enfermeiro, amigo e pai dos negros do Congo, que nosso homem ganhou o merecido renome.
Os leitores de hoje talvez não façam idéia exata do que era, há décadas atrás, um europeu em relação ao resto do mundo. Hoje, com a globalização, as nações menores e classificadas como emergentes, ganham dia a dia maior importância, e enviam seus representantes, e até mesmo seus governantes comparecem aos congressos, às assembléias em que se discutem problemas mundiais. Naquele tempo, porém, a situação era diferente. Os europeus tiravam grande orgulho do grau de civilização que haviam conquistado, e viam do alto e de forma arrogante o resto do mundo. Era bem verdade que estava na Europa, concentrada de um modo extraordinário, a cultura científica e técnica do mundo, e que, em conseqüência disso, estava concentrado o poder. Os europeus eram donos do mundo. Levaram aos outros países os imensos benefícios da civilização, mas também às vezes levavam à soberba e a avidez do lucro.
E dentro desta civilizada Europa, falaremos de um centro mais civilizado do que todo o resto do mundo europeu. Esse centro, esse foco de civilização, havia pelas margens do Reno, numa região que fosse francesa sendo também alemã, que estivesse a igual distância da clara Itália e da brumosa Inglaterra. Ora, era nessa região – na Alsácia, na vila chamada Günsbach, no vale de Münster – que vivia ALBERT SCHWEITZER . Apesar de ser um homem civilizado, prendado, não era dado a viagens, expedições, aventuras geográficas, ALBERT SCHWEITZER vivia atividades puramente espirituais e artísticas. Numa vida de requinte de cultura, passava as horas estudando Teologia, tocando no órgão música de Bach (que foi um dos mais fantásticos músicos que o mundo já teve) e explorando a fundo a obra de Goethe (um dos maiores escritores do seu tempo).
Foi nessa vida amena e requintada que em 1904, ALBERT SCHWEITZER resolveu deixar para ir cuidar dos pobres indígenas doentes da África equatorial. A sua decisão foi por um sentimento moral de obrigação e de dívida. Alguns homens da civilizada Europa teriam de pagar a dívida contraída pelo orgulho dos outros. ALBERT SCHWEITZER sentiu o chamado de Deus deduzindo que lhe cabia tal papel. O amor de Deus e do próximo tinha de se traduzir daquela forma. E é por isso que o homem, que era teólogo, músico e escritor, e que vivia na mais civilizada região do mundo, resolver se tornar servidor dos mais humildes homens da terra. As mãos do organista de Günsbach, fazia partos, operava hérnias, acariciavam crianças leprosas nas margens do rio Ogoouê.
ALBERT SCHWEITZER nasceu em 14 de janeiro de 1875 em Kaysersberg, pequenina e aprazível vida da Alta Alsácia, que desde a guerra franco-prussiana se achava sob domínio alemão, e mais tarde, depois da primeira guerra mundial (1914-1918), voltara a ser Província Francesa. Seu pai, Luís Schweitzer, era pastor protestante, e seu avô paterno fora mestre-escola e organista em Pfaffenhonfen, na Alsácia Inferior, e tivera três irmãos com o mesmo duplo ofício. Pelo lado de sua mãe Adélia, o avô Schillinger também fora organista e pastor protestante de Mühlbach, no vale do Münster.
Nascia assim Albert Schweitzer num ambiente em que se respirava teologia e música, e não de estranhar o interesse que o menino demonstrou, desde a tenra infância, pelo estudo da religião e pelo exercício no velho piano de cauda herdade do avô Schillinger.
Poucos anos depois do nascimento de Albert, a família muda-se para a cidade de Günsbach. No Vale do Münster, onde até hoje residem filhos e netos. E foi aí em Günsbach, na companhia de três irmãs e um irmão, que viveu uma infância muito rica em experiências profundas e muito modestas de recursos financeiros. Ele próprio, em sua autobiografia, diz que sua infância foi maravilhosamente feliz.
Desde os cinco anos iniciou-se Albert no estudo do piano com o rigor e a aplicação que as famílias daquele tempo davam aos trabalhos de educação. Aos sete já provocava a admiração da mestra ao tocar no harmônio, melodias com acompanhamento de sua invenção. Um ano mais tarde, quando ainda mal alcançava a pedaleira, começou a tocar órgão, e essa forma de música, que viera de tantas gerações sucessivas como uma espécie de gosto hereditária, foi uma das grandes paixões de Albert.
Contava apenas com nove anos de idade quando, primeira vez, com imensa emoção, substituiu o organista na hora do culto. Mas só por volta dos quinze anos é que encontrou um professor à altura dos seus dons. Foi em Mulhouse que Albert conheceu Eugen Münch, que acabava de cursar a Universidade Berlinense de Música. Com esse competente e entusiasta professor, Albert progride rapidamente e descobre maravilhado, a obra musical de JOHANN SEBASTIAN BACH, que se tornou uma grande e permanente paixão de sua vida (mais tarde veremos como Bach, apesar de ter vivido e morrido mais de 150 anos antes, ajudou o Dr. Albert Schweitzer a adquirir remédios para os seus pobres doentes africanos).
Continua...
música: Clássica
sinto-me: Abatida, mas não destruida