O JÚBILO DE QUEM AMA
13 de Junho de 2009

 

Parabéns Poeta!

 

 

 

 

 

Largo de São Carlos

 

 

Às três horas e vinte minutos da tarde de 13 de Junho de 1888 nascia em Lisboa Fernando Pessoa. O parto ocorreu no quarto andar esquerdo do n.º 4 do Largo de São Carlos, em frente à ópera de Lisboa (Teatro de São Carlos). De famílias da pequena aristocracia, pelos lados paterno e materno, o pai, Joaquim de Seabra Pessoa (38), natural de Lisboa, era funcionário público do Ministério da Justiça e crítico musical do «Diário de Notícias». A mãe, D. Maria Magdalena Pinheiro Nogueira Pessoa (26), era natural dos Açores (mais propriamente, da Ilha Terceira). Viviam com eles a avó Dionísia, doente mental, e duas criadas velhas, Joana e Emília.

É batizado em 21 de Julho na Basílica dos Mártires, ao Chiado. Os padrinhos são a Tia Anica (D. Ana Luísa Pinheiro Nogueira, sua tia materna) e o General Chaby. A razão por trás do nome Fernando Antonio encontra-se relacionada com Santo Antonio: a família reclamava uma ligação genealógica com Fernando de Bulhões, nome de batismo de Santo Antonio, tradicionalmente festejado em Lisboa a 13 de Junho, dia em que Fernando Pessoa nasceu.

As suas infância e adolescência foram marcadas por fatos que o influenciariam posteriormente. Às cinco horas da manhã de 24 de Julho de 1893, o pai morre com 43 anos, vítima de tuberculose. A morte é reportada no Diário de Notícias do dia. Fernando tinha apenas cinco anos. O irmão Jorge viria a falecer no ano seguinte, sem completar um ano. A mãe vê-se obrigada a leiloar parte da mobília e muda-se para uma casa mais modesta, o terceiro andar do n.º 104 da Rua de São Marçal. É também nesse período que surge o primeiro heterônimo de Fernando Pessoa, Chevalier de Pas, fato relatado pelo próprio a Adolfo Casais Monteiro, numa carta de 1935 em que fala extensamente sobre a origem dos heterônimos. Ainda no mesmo ano, escreve o primeiro poema, um verso curto com a infantil epígrafe de À Minha Querida Mamã. Sua mãe casa-se pela segunda vez em 1895 por procuração, na Igreja de São Mamede em Lisboa, com o comandante João Miguel Rosa, cônsul de Portugal em Durban (África do Sul), que havia conhecido um ano antes. Em África, Pessoa viria a demonstrar desde cedo talento para a literatura.

A mãe e o padrasto

 

Em razão do casamento, muda-se com a mãe e um tio-avô, Manuel Gualdino da Cunha, para Durban, onde passa a maior parte da juventude. Viajam no navio Funchal até à Madeira e depois no paquete Inglês Hawarden Castle até ao Cabo da Boa Esperança. Tendo de dividir a atenção da mãe com os filhos do casamento e com o padrasto, Pessoa isola-se, o que lhe propicia momentos de reflexão. Em Durban, estudou na escola Durban High School, uma escola somente para meninos e foi onde recebeu uma educação britânica, que lhe proporciona um profundo contato com a língua inglesa. Os seus primeiros textos e estudos são em inglês. Mantém contato com a literatura inglesa através de autores como Shakespeare, Edgar Allan Poe, John Milton, Lord Byron, John Keats, Percy Shelley, Alfred Tennyson, entre outros. O inglês teve grande destaque na sua vida, trabalhando com o idioma quando, mais tarde, se torna correspondente comercial em Lisboa, além de o utilizar em alguns dos seus textos e traduzir trabalhos de poetas ingleses, como O Corvo e Annabel Lee de Edgar Allan Poe. Com excepção de Mensagem, os únicos livros publicados em vida são os das coletâneas dos seus poemas ingleses: Antinous e 35 Sonnets e English Poems I - II e III, escritos entre 1918 e 1921.
 
 
 
 

Fernando Pessoa aos 6 anos 

Faz o curso primário na escola de freiras irlandesas da West Street, onde recebe a primeira comunhão e percorre em dois anos o equivalente a quatro. Em 1899 ingressa na Durban High School, onde permanecerá durante três anos e será um dos primeiros alunos da turma. No mesmo ano, cria o pseudônimo Alexander Search, através do qual envia cartas a si mesmo. No ano de 1901, é aprovado com distinção no primeiro exame Cape School High Examination e escreve os primeiros poemas em inglês. Na mesma altura, morre sua irmã Madalena Henriqueta, de dois anos. De férias, parte em 1901 com a família para Portugal. No navio em que viajam, o paquete König, vem o corpo da irmã. Em Lisboa, mora com a família em Pedrouços e depois na Avenida de D. Carlos I, n.º 109, 3.º Esquerdo. Na capital portuguesa, nasce João Maria, quarto filho do segundo casamento da mãe de Pessoa. Viaja com o padrasto, a mãe e os irmãos à Ilha Terceira, nos Açores, onde vive a família materna. Deslocam-se também a Tavira para visitar os parentes paternos. Nessa época, escreve o poema "Quando ela passa".
 
Fernando Pessoa permanece em Lisboa, enquanto todos — mãe, padrasto, irmãos e criada Paciência, que viera com eles — regressam a Durban. Volta sozinho para a África no vapor Herzog. Na mesma época, tenta escrever romances em inglês e matricula-se na Commercial School, frequentando o curso noturno enquanto de dia se ocupa com disciplinas humanísticas. Em 1903, candidata-se à Universidade do Cabo da Boa Esperança. Na prova de exame de admissão, não obtém boa classificação, mas tira a melhor nota entre os 899 candidatos no ensaio de estilo inglês. Recebe por isso o Queen Victoria Memorial Prize («Premio Rainha Vitória»). Um ano depois, ingressa novamente na Durban High School, onde frequenta o equivalente a um primeiro ano universitário. Aprofunda a sua cultura, lendo clássicos ingleses e latinos. Escreve poesia e prosa em inglês, surgindo os heterônimos Charles Robert Anon e H. M. F. Lecher. Nasce a sua irmã Maria Clara. Publica no jornal do liceu um ensaio crítico intitulado Macaulay. Por fim, encerra os seus bem sucedidos estudos na África do Sul com o «Intermediate Examination in Arts», na Universidade, obtendo uma boa classificação.
Retratado por João L. Roth
 
Deixando a família em Durban, regressa definitivamente à capital portuguesa, sozinho, em 1905. Passa a viver com a avó Dionísia e as duas tias na Rua da Bela Vista, n.º 17. A mãe e o padrasto regressam também a Lisboa, durante um período de férias de um ano em que Pessoa volta a morar com eles. Continua a produção de poemas em inglês e, em 1906, matricula-se no Curso Superior de Letras (atual Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), que abandona sem sequer completar o primeiro ano. É nesta época que entra em contato com importantes escritores portugueses. Interessa-se pela obra de Cesário Verde e pelos sermões do Padre Antonio Vieira.
 
Em Agosto de 1907, morre a sua avó Dionísia, deixando-lhe uma pequena herança, com a qual monta uma pequena tipografia, na Rua da Conceição da Glória, 38-4.º, sob o nome de «Empreza Ibis — Typographica e Editora — Officinas a Vapor», que rapidamente faliu. A partir de 1908, dedica-se à tradução de correspondência comercial, uma atividade a que poderíamos dar o nome de "correspondente estrangeiro". Nessa profissão trabalha a vida toda, tendo uma modesta vida pública.
Inicia a sua atividade de ensaísta e crítico literário com o artigo «A Nova Poesia Portuguesa Sociologicamente Considerada», a que se seguiriam «Reincidindo...» e «A Nova Poesia Portuguesa no Seu Aspecto Psicológico» publicados em 1912 pela revista A Águia, órgão da Renascença Portuguesa.
 
Pessoa é internado no dia 29 de Novembro de 1935, no Hospital de São Luís dos Franceses, com diagnóstico de "cólica hepática", provavelmente uma colangite aguda causada por cálculo biliar e associada a cirrose hepática com origem no óbvio excesso de álcool ao longo da sua vida (a título de curiosidade: acredita-se que era muito fiel à aguardente "Águia Real"). Morre no dia 30 de Novembro, com 47 anos de idade. Nos últimos momentos de vida, pede os óculos e clama pelos seus heterônimos. A sua última frase foi escrita no idioma no qual foi educado, o Inglês: «I know not what tomorrow will bring» (Não sei o que o futuro trará).
 Legado
Pode-se dizer que a vida do poeta foi dedicada a criar e que, de tanto criar, criou outras vidas através dos seus heterônimos, o que foi a sua principal característica e motivo de interesse pela sua pessoa, aparentemente muito pacata. Alguns críticos questionam se Pessoa realmente teria transparecido o seu verdadeiro eu ou se tudo não teria passado de um produto, entre tantos, da sua vasta criação. Ao tratar de temas subjetivos e usar a heteronímia, torna-se enigmático ao extremo. Este fato é o que move grande parte das buscas para estudar a sua obra. O poeta e crítico brasileiro Frederico Barbosa declara que Fernando Pessoa foi "o enigma em pessoa". Escreveu sempre, desde o primeiro poema aos sete anos, até ao leito de morte. Importava-se com a intelectualidade do homem, e pode-se dizer que a sua vida foi uma constante divulgação da língua portuguesa: nas próprias palavras do heterônimo Bernardo Soares, "a minha pátria é a língua portuguesa". O mesmo empenho é patente no seguinte poema:
 
Tenho o dever de me fechar em casa no meu espírito e trabalhar
quanto possa e em tudo quanto possa, para o progresso da
civilização e o alargamento da consciência da humanidade

Analogamente a Pompeu, que disse que "navegar é preciso; viver não é preciso", Pessoa diz, no poema Navegar é Preciso, que "viver não é necessário; o que é necessário é criar". Outra interpretação comum deste poema diz respeito ao fato de a navegação ter resultado de uma atitude racionalista do mundo ocidental: a navegação exigiria uma precisão que a vida poderia dispensar.
O poeta mexicano Octavio Paz, laureado com o Nobel de Literatura, diz que "os poetas não têm biografia. A sua obra é a sua biografia" e que, no caso de Fernando Pessoa, "nada na sua vida é surpreendente — nada, exceto os seus poemas". No livro The Western Canon, o crítico literário estadunidense Harold Bloom considerou-o o mais representativo poeta do século XX, ao lado do chileno Pablo Neruda.
Na comemoração do centenário do nascimento de Pessoa, em 1988, o seu corpo foi trasladado para o Mosteiro dos Jerônimos, confirmando o reconhecimento que não teve em vida.
Último local de residência do poeta.
 
Fernando Pessoa possuía ligações ao ocultismo e ao misticismo, com destaque para a Maçonaria e a Rosa-Cruz (embora não se conheça qualquer filiação concreta em Loja ou Fraternidade dessas escolas de pensamento), havendo inclusive defendido publicamente as organizações iniciáticas, no Diário de Lisboa de 4 de fevereiro de 1935, contra ataques por parte da ditadura do Estado Novo. O seu poema hermético mais conhecido e apreciado entre os estudantes de esoterismo intitula-se "No Túmulo de Christian Rosenkreutz". Tinha o hábito de fazer consultas astrológicas para si mesmo (de acordo com a sua certidão de nascimento, nasceu às 15h20, tinha ascendente Escorpião e o Sol em Gémeos). Realizou mais de mil horóscopos.
 
Apreciava também o trabalho do famoso ocultista Aleister Crowley, tendo inclusive traduzido o poema Hino a Pã. Certa vez, lendo uma publicação inglesa de Crowley, encontrou erros no horóscopo e escreveu-lhe para o corrigir, pois era conhecedor e praticante de astrologia. Os seus conhecimentos impressionaram Crowley e, como este gostava de viagens, veio a Portugal conhecer o poeta. Acompanhou-o a maga alemã Miss Jaeger, que passou a escrever cartas a Fernando, assinadas com um pseudônimo ocultista. O encontro não foi muito amigável, dados os graves desequilíbrios psíquico e espiritual de que Crowley sofria (apesar disso, ainda ensinava).

 

Curiosidades
  • O professor universitário Armindo Freitas-Magalhães criou um inédito programa de literacia emocional, inspirado no verso de Fernando Pessoa "Se às Vezes as Flores Sorriem" (2009).
 
  • Numa tarde em que José Régio tinha combinado encontrar-se com Pessoa, este apareceu, como de costume, com algumas horas de atraso, declarando ser Álvaro de Campos e pedindo perdão por Pessoa não ter podido comparecer ao encontro.
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  • Fernando Pessoa trabalhava como correspondente comercial, num sistema que hoje denominamos free lancer. Assim, podia trabalhar apenas dois dias por semana, dedicando os demais, exclusivamente, à sua grande paixão: a literatura.
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  • A poetisa, professora e jornalista brasileira Cecília Meireles foi a Portugal em 1934, para proferir conferências na Universidade de Coimbra e na Universidade de Lisboa. Um grande desejo seu era conhecer o poeta, de quem se tinha tornado admiradora. Através de um dos escritórios para os quais Fernando Pessoa trabalhava, conseguiu comunicar com ele e marcar um encontro para o meio-dia, mas esperou inutilmente até às duas da tarde sem que Pessoa desse um ar da sua graça. De regresso ao hotel, Cecília teve a surpresa de encontrar um exemplar do livro Mensagem e um recado do misterioso poeta, justificando que não comparecera porque consultara os astros e, segundo o seu horóscopo, “os dois não eram para se encontrar”. Realmente, não se encontraram nem houve muito mais oportunidades para tal, pois no ano seguinte Fernando Pessoa faleceu.
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  • Pessoa media 1,73 m de altura, de acordo com o seu Bilhete de Identidade.
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  • O assento de óbito de Pessoa indica como causa da morte "bloqueio intestinal".
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  • A Universidade Fernando Pessoa (UFP), com sede no Porto, foi criada em homenagem ao poeta.
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  • Fernando Pessoa é o primeiro português a figurar na Plêiade (Collection Bibliothèque de la Pléiade), prestigiada coleção francesa de grandes nomes da literatura.
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  • Ofélia Queiroz, sua namorada, criou um heterônimo para Fernando Pessoa: Ferdinand Personne. "Ferdinand" é o equivalente a "Fernando" em alguns idiomas e "Personne" significa "ninguém" em francês, residindo a curiosidade deste trocadilho no fato de Fernando, por criar outras personalidades, não ter um eu definido.
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  • Em Os Mal-Amados (2008), Fernando Dacosta relata uma conversa com Agostinho da Silva, que conhecera pessoalmente Fernando Pessoa em Dezembro de 1934. O poeta confidenciara-lhe, acabrunhado, que estava muito arrependido por ter escrito as cartas de amor a Ofélia. "Fizera-o movido pela sua irremediável fantasia heteronímica" (pg. 358), para saber como seria o romance entre um vulgar empregado de escritório e uma sua colega de trabalho, carente de afecto. Disfrutou o jogo durante algum tempo, mas, quando se apercebeu da monstruosidade da coisa, pôs fim ao romance fictício, para não fazer sofrer uma mulher real e apaixonada.
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  • O cantor brasileiro Caetano Veloso compôs a canção "Língua", em que existe um trecho inspirado num artigo de Fernando sobre o tema "A minha pátria é a língua portuguesa". O trecho é: A língua é minha Pátria / E eu não tenho Pátria: tenho mátria / Eu quero frátria. Já o compositor Tom Jobim transformou o poema O Tejo é mais Belo em música. Identicamente, Vitor Ramil, cuja música "Noite de São João" tem como letra a poesia de Alberto Caeiro. A cantora Dulce Pontes musicalizou o poema O Infante. O grupo Secos e Molhados musicalizou a poesia "Não, não digas nada". Os portugueses Moonspell cantam no tema Opium um trecho da obra Opiário de Álvaro de Campos. O cantor Renato Braz traz no seu CD "Outro Quilombo" duas poesias musicadas: "Segue o teu destino", de Ricardo Reis, e "Na ribeira deste rio", de Fernando Pessoa.
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  • O jornal Expresso e a empresa Unisys criaram, em 1987, o Prémio Pessoa, concedido anualmente à pessoa ou às pessoas de nacionalidade portuguesa que, durante o ano transcorrido e na sequência de actividade anterior, se tenham distinguido na vida científica, artística ou literária.
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  • Em 2006, a empresa Unicre lançou um cartão de crédito intitulado "A palavra", onde o titular pode gravar, à escolha, uma de 6 frases de Fernando Pessoa ou dos seus heterônimos.

publicado por cleudf às 17:59 link do post
sinto-me: Decepcionada
música: Amor a Portugal
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